O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou relatório que
recomenda o esvaziamento do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA), da capital
do Rio Grande do Sul, inspecionado pelo Mutirão Carcerário no período de 10 de
fevereiro a 21 março. O documento destaca superlotação, risco de incêndio,
péssimas condições de higiene e as seis facções criminosas que, como um “estado
paralelo”, controlam as galerias da unidade. Seus líderes ditam a disciplina,
vendem produtos, selecionam detentos para atendimento médico e gozam de
privilégios.
A aprovação do plenário ocorreu no último dia 16, durante a 191ª Sessão
Ordinária do CNJ, no julgamento da Comissão 0003341-73.2014.2.00.0000, relatada
pelo conselheiro Guilherme Calmon, supervisor do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas (DMF).
O relatório foi elaborado pelos juízes auxiliares da Presidência do CNJ
Douglas de Melo Martins, coordenador do (DMF), e Luiz Carlos Rezende e Santos,
além do juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) João
Marcos Buch, designado para coordenar o mutirão carcerário.
As inspeções do CNJ no presídio verificaram as condições de encarceramento e
fiscalizaram a tramitação processual. A análise de 1.770 processos de
condenados, por exemplo, resultou na concessão dos seguintes benefícios: 19
progressões para o regime semiaberto de cumprimento de pena e 3 para o aberto;
12 comutações (substituições) de pena; 2 indultos; 16 prisões domiciliares, 2
livramentos condicionais e 1 extinção de pena com soltura, entre outros.
Quanto aos presos provisórios (ainda não julgados), foram analisados 1.516
processos e concedidas 156 solturas, das quais 138 por liberdade provisória ou
revogação de prisão preventiva e 18 com aplicação de medidas cautelares
alternativas à privação de liberdade. Além disso, foram 766 decisões de
conversão da prisão em flagrante em preventiva, 570 decisões de manutenção da
prisão provisória, 454 sentenças e 583 situações diversas.
Quando do mutirão carcerário, o PCPA mantinha 4.400 detentos em apenas 2.069
vagas. Em função da interdição de algumas alas, o desconforto provocado pela
superlotação era ainda maior. A situação caótica do presídio foi constatada pelo
ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF),
que visitou a unidade em um dos dias do mutirão carcerário.
Prazo- Segundo as recomendações do CNJ, o prazo para
esvaziamento do PCPA é de seis meses, a contar da publicação do relatório. Os
detentos devem ser encaminhados para novas vagas que estão em vias de ser
abertas no estado. Essa medida precisa ser acompanhada da ampliação do quadro de
agentes penitenciários e da inserção, na política carcerária estadual, de boas
práticas verificadas no presídio, entre elas a reserva de ala exclusiva para
dependentes de drogas, atendimento ambulatorial e o envolvimento dos presos em
atividades de reciclagem, marcenaria, artes e produção gráfica.
O Poder
Judiciário do Rio Grande do Sul, por sua vez, é orientado pelo CNJ a fazer valer
integralmente a decisão judicial que, em 1995, proibiu a entrada de novos presos
condenados no PCPA.
“Esvaziado o Presídio Central, sua destinação caberá ao governo do estado,
inclusive com a possibilidade de implosão ou reforma completa”, recomendam os
juízes do mutirão, que também propõem a saída da Brigada Militar após o
esvaziamento da unidade e sua substituição por agentes penitenciários vinculados
à Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE).
Durante a apreciação do relatório pelo plenário do CNJ, o conselheiro Flavio
Sirangelo apresentou voto com a ressalva de que não se mostra conveniente
qualquer recomendação do Conselho sobre a utilização ou não da Brigada Militar
em atividades de segurança no sistema carcerário. “Trata-se, no caso, de matéria
afeta a políticas de segurança pública do estado-membro da federação”,
argumentou o conselheiro.
“Além disso, como deflui do relatório apresentado, a Superintendência dos
Serviços Penitenciários (SUSEPE), pelo menos no que respeita ao Presídio Central
de Porto Alegre, não tem condições de assumir esse controle e não há elementos
que indiquem que possa fazê-lo em outro estabelecimento de grande porte ou mesmo
em presídios de menor porte que vierem a substituí-lo. Ao contrário, há
manifestações relatadas no relatório que sugerem incapacidade e/ou ineficiência
da SUSEPE no enfrentamento das dificuldades advindas de um sistema carcerário
congestionado como é o caso do estado do RS”, acrescentou Flavio Sirangelo.
Ao final do julgamento, o plenário do CNJ aprovou o encaminhamento de cópia
do relatório ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), ao
Ministério Público, à Procuradoria-Geral da República, à Defensoria Pública e ao
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), para conhecimento e adoção de
providências. O plenário também decidiu notificar o Governo do Estado do Rio
Grande do Sul, por meio da Secretaria de Segurança Pública, sobre o teor das
recomendações, para atendimento no prazo
definido.
Desumanidade- Conforme o mutirão carcerário,
a grave situação de insalubridade do Presídio Central de Porto Alegre é um dos
principais motivos para a recomendação de esvaziamento da unidade. “De toda a
situação precária do PCPA, a que mais chamou a atenção, com forte impacto e de
difícil aceitação, é a precária condição sanitária do local. Não é admissível
que no atual padrão de civilidade o Estado aceite a manutenção de seres humanos
em condições desumanas, vivendo entre fezes e esgoto. A questão in loco
verificada é de tal forma grave que a situação sanitária é motivo dos mais
fortes para a recomendação ao final de esvaziamento completo do PCPA”, destaca o
relatório.
Segundo os juízes do mutirão, entre os locais de maior
insalubridade estão os pátios que servem para os detentos tomarem banho de sol e
receberem visitas, verdadeiros depósitos de esgoto a céu aberto. Os magistrados
relatam que detritos dos sanitários usados por detentos escorrem dos andares
superiores pelas paredes, vindo a cair no pátio de visitas. “Conforme informou a
Defensoria Pública, as visitas não podem sentar em razão do esgoto. Nas celas de
boa parte das galerias precisam ser adaptadas garrafas de plástico para fazer
passar o esgoto das celas superiores, por entre pias e camas”, diz o relatório,
acrescentando que o prédio do PCPA está em ruínas.
O CNJ alerta que os visitantes, dos quais 90% são mulheres, podem se tornar
vetores de transmissão de doenças infectocontagiosas, sobretudo a tuberculose,
colocando em risco a saúde de toda a população de Porto Alegre. “Pessoas que
adentram (o presídio), tomam contato com seu familiar detido e voltam para suas
casas e comunidade, num iminente risco à saúde pública”, informa o relatório,
destacando que, em um dos dias de inspeção, 900 pessoas tentavam visitar presos
na unidade. A média anual é de 250 mil visitas.
A situação fica ainda mais grave em função do insuficiente quadro de
profissionais de saúde em atividade no presídio. Mas representantes do Centro
Estadual de Vigilância Sanitária observaram que, mesmo com a ampliação do
efetivo, nenhum tratamento de prevenção ou controle de doenças
infectocontagiosas terá resultado enquanto não se corrigir profundamente a
situação de saneamento. Outro problema relacionado à questão sanitária é que a
seleção dos detentos para atendimento médico é feita pelas facções criminosas
controladoras das galerias do presídio.
Facções- São seis as facções atuantes no PCPA. Elas negociam
as mais variadas questões com a Brigada Militar da unidade, em troca de uma
aparente tranquilidade. A brigada, por exemplo, embora fortemente armada, só
adentra os pavilhões mediante autorização das facções.
“Existe um estado paralelo dentro das galerias, e a Brigada Militar não tem
domínio sobre isso, aceitando tudo oficialmente. Os detentos vivem soltos nas
galerias, sem portas nas celas e se auto organizam, com hierarquia, onde até
mesmo ‘prefeito’ existe. Isso implica em mais autoridade dessas facções sobre a
massa carcerária do que a Brigada Militar”, atesta o relatório do mutirão
carcerário, acrescentando que as facções também têm poder para indicar os
executores de faxina, os servidores de comida, os eleitos para dormir no melhor
aposento e até quem receberá visita íntima.
O domínio das facções criminosas no PCPA chega a ser institucionalizado, a
ponto de existir, em cada galeria, placas indicando a localização das celas dos
“prefeitos”. Esses líderes gozam de várias regalias. Uma delas é a preferência
para receber visitas íntimas. “As visitas que os ‘prefeitos’ recebem, igualmente
gozam de preferência. As mulheres dos líderes de facções, para adentrar no
Presídio, têm prioridade e entrada facilitada. Isso é reconhecido e aceito pela
direção prisional”, aponta o relatório do CNJ.
Segundo constatou o mutirão carcerário, a visita do preso sem poder de
liderança no presídio precisa chegar à unidade às 5h, passar por todos os
procedimentos, até chegar, por volta das 11h, à porta da galeria. Os
procedimentos incluem uma constrangedora revista pessoal: a mulher,
completamente nua, agacha-se e é obrigada a tossir, enquanto a brigadiana, com
um espelho, inspeciona as partes íntimas da visitante. Por outro lado, as
mulheres dos líderes das facções entram imediatamente no presídio e não
enfrentam os mesmos rigores impostos às demais.
Os ‘prefeitos’ do Presídio Central de Porto Alegre também têm o privilégio de
vender aos demais internos produtos básicos de sobrevivência, extraindo lucro.
Suas celas têm TV de Led e boa apresentação. Eles recebem os comandados em uma
outra cela, separada para tal, como se fosse um gabinete. “Ou seja, a Brigada,
como forma de administrar sem maiores incidentes, acabou por admitir o estado
paralelo, sobre o qual não tem mais controle”, atesta o relatório do CNJ. A
desordem no PCPA também se reflete na quantidade de objetos ilícitos
apreendidos: somente em janeiro e fevereiro deste ano, foram 546 telefones
celulares, grande quantidade de drogas (maconha, cocaína e crack) e duas armas
industriais.
Risco de Incêndio- A equipe do mutirão carcerário realizou, além das
inspeções, reuniões com autoridades locais, com a Defensoria Pública, a Pastoral
Carcerária, sindicatos de agentes penitenciários e outras entidades. Entre elas,
integrantes do Fórum da Questão Penitenciária, que, em janeiro de 2013,
encaminhou denúncia sobre o colapso do PCPA à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Em resposta,
a comissão da OEA expediu medida cautelar, em dezembro de 2013, obrigando o
Estado brasileiro a empregar ações para amenizar a caótica situação do
presídio.
Em reunião com o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia
do Rio Grande do Sul (Ibape), uma das entidades do Fórum da Questão
Penitenciária, os representantes do CNJ ouviram um alerta sobre os riscos
representados pela precariedade estrutural do PCPA. Os técnicos do Ibape
informaram sobre a gravidade dos problemas na instalação elétrica, com risco de
incêndio e sem esquema de prevenção.
Chegaram a citar o caso da Boate Kiss, de
Santa Maria/RS, onde um incêndio, ocorrido em janeiro de 2013, provocou a morte
de 242 pessoas.
“Espera-se que o Presídio Central de Porto Alegre, uma vez esvaziado, com
encaminhamento da massa carcerária para ambientes adequados em estrutura física
e recursos humanos, passe a existir apenas como má lembrança de violação dos
direitos humanos, a permanecer unicamente como lição nos registros históricos.
Pois, como já disse Dostoiévski, o grau de civilização em uma sociedade pode ser
medido entrando em suas prisões”, conclui o relatório do mutirão carcerário do
CNJ.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
Destinado a assuntos referentes à execução penal, em especial matérias relacionadas ao dia-a-dia da atividade cartorária dos servidores das Varas de Execuções Criminais.
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segunda-feira, 23 de junho de 2014
CNJ recomenda esvaziamento do Presídio Central de Porto Alegre/RS, inseguro e dominado por facções
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Blog da Execução Penal-RS
às
11:49
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