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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Penas Restritivas de Direitos

Em homenagem, postamos o texto escrito em 2002 pela Dra. Cleuza Marisa Silveira de Azevedo, então Juíza da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre-VEPMA, falecida em 18/06/2006.
   
                      "A criteriosa elaboração legislativa e a criteriosa aplicação das penas e medidas alternativas são condições inarredáveis para a sua boa execução, com resultados efetivos na conscientização do homem, para uma harmoniosa vida de convívio.
                           São inegáveis as vantagens das penas alternativas à prisão como são chamadas as penas restritivas de direito que àquela substituem. Entretanto o  sucesso de sua execução  depende diretamente de critérios de bom-senso tanto para o legislador, quanto para o juízo da condenação que as aplica.
                          A lei 9.714/98 trouxe grandes avanços, ampliando seu cabimento às penas privativas de liberdade  até quatro anos, mas vedando-as para os delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, o que é lógico, já que o indivíduo que pratica essa espécie de delito tem presumido um perfil agressivo que pode ser incompatível com o cumprimento de mera restrição de direito, principalmente, tomando-se por base a prestação de serviço à comunidade, cumprida em seguimentos do seu próprio meio, sem qualquer prevenção de segurança.
                        Todavia, analisando-se projeto de reforma do C.Penal, proposto pelo Executivo,  vê-se que essa restrição vem retirada, o que pode gerar um complicador para o sucesso da execução desse tipo de pena, pois não há como afastar o receio das entidades conveniadas em receber apenados por determinado tipo de delito.
                          Ainda em termos legislativos alerto que, com relação à prestação de serviços à comunidade, pena restritiva de direito mais largamente aplicada, a reforma penal proposta cria uma situação que deixará o juízo da execução de braços atados, quando impõe para o cumprimento o limite mínimo de duas horas e o máximo de quatro horas por dia, esquecendo-se que inúmeros são os condenados que somente podem cumprir sua pena em seu dia de folga do trabalho, ou ainda somente no sábado ou no domingo. Importante  que o legislador  permita que o juízo  execução    proceda   à  adequação da pena, levando em conta as condições pessoais do condenado.
                       Além disso, repisando o parágrafo §1º do art. 149 da LEP que determina o cumprimento da prestação de serviço em oito horas semanais,  dispositivo que tenho como revogado pela  lei 9.714/98 que dispõe que, para cada hora de trabalho, corresponde um dia de condenação, mantém essa determinação na reforma quando, na verdade, a determinação não poderia passar de sete horas por semana, já que esta tem somente sete dias.
                         Basta um simples cálculo aritmético para se concluir que a imposição do cumprimento da prestação de serviço à comunidade em 08 horas semanais leva ao excesso de execução, pois em uma pena de um ano, na qual o condenado tem obrigação legal de cumprir 365 horas da restritiva, se cumprir 08 horas por semana, ao cabo de um ano terá cumpridas 416 horas, considerando a média de 52 semanas por ano.
                         Outra questão que reputo importante comentar, quanto às propostas legislativas de alteração da lei penal, é quanto à limitação de fim de semana que, atualmente, deve ser cumprida em 05 horas no sábado, e 05 horas no domingo, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, e na reforma é retirada a casa de albergado, permanecendo somente outros estabelecimentos de cunho cultural-educativo.
                      O legislador há de ter presente que, diversamente da prestação de serviço à comunidade, a instituição conveniada não tem nenhum retorno com o cumprimento da limitação de fim de semana, mas somente ônus, inclusive com a obrigação de oferecer cursos e palestras, logo não podendo  essa pena tornar-se infinitamente mais benéfica que aquela, sob pena de não ser aplicada pelos juízos da condenação, quando disso se derem conta, pois  a limitação de fim de semana, por ter um caráter de maior contenção,  é aplicada como  alternativa àqueles que não apresentam perfil para o cumprimento da prestação de serviços em entidades da comunidade, que não se compõem com qualquer esquema de segurança.
                      Portanto, já em  seu nascedouro legal, os critérios devem ser muito bem pensados, devendo  o legislador  estar com seus olhos voltados para a execução, que é onde poderá ver o sucesso de sua criação, ou vê-la somente como uma formulação hipotética, sem possibilidade  de   resultado prático.
                       Por outro lado, imbuído de critérios de bom-senso, também, deve estar o juízo da condenação, quando da aplicação das penas e  das medidas alternativas à prisão, pois inúmeros são os problemas nascidos à sua execução pela descriteriosa aplicação.
                        Ao impor uma pena privativa de liberdade, o juízo da condenação, hoje, tem três saídas quais sejam a substituição por multa, a substituição por pena restritiva de direito ou, ainda, a suspensão da pena mediante o cumprimento de condições.
                          No que tange às penas pecuniárias, seja multa ou seja prestação pecuniária, o que a experiência me diz é que vêm sendo aplicadas aleatoriamente, sem qualquer verificação durante a instrução do processo criminal sobre a situação econômica do réu, resultando, não poucas vezes, em aplicação de valores absolutamente impagáveis.
                        Problema mais sério vejo na prestação pecuniária, pois, como se trata de pena restritiva de direito a encabeçar o rol do art. 43 do C.Penal, pode ser convertida em prisão, no caso de descumprimento injustificado, aliás essa conclusão foi unânime no encontro dos juízes da execução penal do Estado do Rio Grande do Sul, realizado no mês de junho de 2002, na Comarca de Bento Gonçalves. Portanto sua aplicação deveria estar precedida de alguma investigação, durante a instrução  sobre a situação econômica do réu, já que não poderá ser somente o prejuízo o parâmetro para sua fixação.
                       As condições pessoais do réu também devem ser investigadas durante a instrução, para que haja uma criteriosa aplicação de pena restritiva de direito em substituição à pena privativa de liberdade, pois não é admissível que se aplique ao réu (que, em razão de profissão, trabalhe nos finais de semana)  uma limitação de final de semana, ou ainda impor-se prestação de serviço à comunidade a um paraplégico com imensa dificuldade de comunicação e locomoção - caso que tive recentemente em uma suspensão condicional da pena aplicada em delito de tentativa de roubo.
                       Do exemplo acima, surge a necessidade de um comentário à não-aplicação do §2º do art. 78 do C.Penal pelos juízos da condenação, sendo inúmeros os casos em que, sequer, houve o dano, já que o delito não passou de tentativa, ou se escancara a impossibilidade de repará-lo e com as   circunstâncias do art. 59 totalmente favoráveis, mesmo assim imposta no primeiro ano a prestação de serviço ou a limitação de fim de semana.
                       Enfim, uma legislação bem concebida e uma aplicação criteriosa, com certeza, poderá levar a uma execução efetiva com resultados animadores.
                       Todavia não são poucas as questões de cunho eminentemente prático que  surgem no curso da execução das penas restritivas de direito e, também, da suspensão condicional da pena e, por carência legislativa e novidade da matéria, o juízo da execução passa firmar entendimentos, sempre  levando em conta o ideal de justiça.
                       Dentre essas questões, estão a prescrição da pretensão executória e o problema da detração, os casos de conversão,  quando convivem duas restritivas de direito que substituíram a pena privativa de liberdade e maior problema, ainda, quando uma delas é a prestação pecuniária.
                       Quanto à prescrição da pretensão executória, a meu sentir, o problema se assenta na ausência de previsão legislativa.
                       O parágrafo 5º do art. 44 do C.Penal dispõe que, sobrevindo condenação à pena privativa de liberdade por outro crime, o juízo da execução decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la, quando possível, o cumprimento da pena substitutiva anterior, logo não se cogita da possibilidade de conversão, quando a outra pena for suspensa, ou também for uma restritiva de direito.
                       São inúmeros os casos de duas ou mais condenações com imposição de restritiva de direito em substituição à prisão, e aí surge a questão:  enquanto cumpre a primeira, o curso do prazo da prescrição da pretensão executória da outra está suspenso? O parágrafo único do art. 116 do C.Penal somente fala na suspensão da prescrição, quando estiver preso por outro motivo. Seria criar analogia prejudicial ao apenado, se considerar unificadas as penas; portanto o início do cumprimento da primeira interromperia o curso da prescrição também da segunda?  Como o art. 111 da LEP, embora inserido no capítulo das penas privativas de liberdade, poderia ser aplicado às penas restritivas de direito?
                       Se aplicada a unificação das penas restritivas de direito, como ficaria o apenado frente à possibilidade de comutação ao advento de um decreto de perdão se, em duas penas de um ano, somente tivesse cumprido um quarto da primeira? Creio que aqui sempre se terá de analisar qual a situação mais benéfica ao apenado, análise que deverá ser feita caso a caso.
                        E, quando temos uma suspensão da pena com prestação de serviço à comunidade no primeiro ano e uma prestação de serviço por um ano aplicada em substituição à pena privativa de liberdade? Seria obrigatório o cumprimento simultâneo, ou poderia haver o cumprimento sucessivo? Se sucessivo, qual das duas seria cumprida primeiro, a restritiva de direito-condição ou a restritiva de direito-pena? Se cumprida primeiro restritiva-condição, e iniciado o cumprimento da restritiva-pena, houver o descumprimento injustificado, sendo caso de conversão  em prisão, o que também levará à revogação do “sursis”, cujo período de prova ainda está vigente, teria o condenado de cumprir toda a pena privativa de liberdade suspensa e mais o saldo da outra, cuja restritiva fora descumprida? Aqui o juízo da execução tem dois caminhos: se entender que a restritiva-condição, por não ser pena cumprida, não poderia ser detraída, irá desconsiderar o tempo cumprido no primeiro ano da suspensão, fazendo o condenado cumprir integralmente a pena do “sursis” revogado e mais o saldo da segunda, ou irá considerar a restritiva-condição para efeitos de detração, determinando o cumprimento somente do saldo das duas penas somadas.
                       Nenhum dispositivo legal específico quanto às penas restritivas de direitos enfrenta essas questões, por isso as soluções são as mais diversas nos juízos de execução.
                       Outro importante e comum problema, a ser enfrentado no curso da execução, é o  da detração no momento da conversão em prisão, no caso de descumprimento injustificado, mormente, quando aplicadas duas restritivas de direitos, não havendo disposição legislativa orientadora.
                      Também, por unanimidade, foi aprovada  no Encontro dos Juízes da Execução Penal do Rio Grande do Sul, realizado na Comarca de Bento Gonçalves,  a conclusão de que, nas penas acima de 01 ano quando substituídas por duas restritivas de direito, o cumprimento integral de cada uma corresponderá ao cumprimento de metade da pena substituída. Assim, em uma pena de dois anos, cumpridas 240 horas de  prestação de serviço à comunidade, correspondentes a 08 meses da pena e cumpridos 06 meses de limitação de fim de semana, os 06 meses em que as duas foram cumpridas, serão detraídos, integralmente, da pena a converter, e os restantes dois meses de prestação de serviço serão divididos por metade, e essa metade será detraída no prazo dos dois anos.
                       Quando uma das duas restritivas de direito impostas for prestação pecuniária, o entendimento é o mesmo, assim como idênticos são os cálculos, bastando converter, em fração, a pecuniária, transportando-a para o tempo de privativa, configurando-se mais justa a solução para quem cumpriu a pecuniária seja integral ou parcialmente.
                        Essas são apenas algumas das questões que surgem no curso da execução da penas alternativas, e muitas outras, com certeza, virão  e  exigirão soluções baseadas em eqüidade, já que se tratam de  institutos relativamente novos no nosso sistema penal.
                        Entretanto, embora todas as dificuldades, não há dúvida que essas penas alcançam resultados eficazes na conscientização  dos  condenados sobre sua importância como membros de uma sociedade que só conseguirá alcançar a paz, quando seus  conviventes souberem dominar o natural egoísmo humano na busca do bem próprio que, por vezes desordenada, acaba por gerar o mal ao outro.

                                                      Porto Alegre, 21 de setembro de 2002."

Cleuza M. Silveira  de Azevedo
Juíza Titular da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas
de Porto Alegre.

 

sábado, 22 de outubro de 2011

Mitos da Execução Penal

Na solenidade de encerramento do Mutirão Carcerário do CNJ realizado no Rio Grande do Sul em 15/04/2011 o Coordenador do Mutirão, Juiz de Direito, Dr. Douglas Melo já havia referido se tratar de um mito a informação de que no Brasil se prende pouco.
No curso de execução criminal e sistema prisional realizado no Tribunal de Justiça do RS em setembro de 2011, o palestrante Desembargador Franceso Conti reafirmou esse entendimento.

1) “No Brasil se prende pouco”;

2) “Polícia prende e o Juiz solta”;

3) “Os presídios são cheios de mordomias”


“No Brasil se prende pouco”
- O Brasil é o 4º maior sistema prisional do mundo, só perde para EUA ( 2,2 milhões de presos), China (1,5 milhões) e Rússia (870 mil).
- População carcerária brasileira: 500.000 presos para 275.194 vagas, das quais cerca de 25.000 em estabelecimentos policiais.
- Estima-se que 7.000 presos já cumpriram a sentença e permanecem em presídios

“Polícia prende e juiz solta”
- Cerca de 30% da população encarcerada é de presos provisórios.
- Na década de 90 era em torno de 15%.

“Os presídios são cheios de mordomias”
Nesse ponto, o Dr. Sidinei José Brzuska, Juiz de Direito responsável pela fiscalização dos presídios da região metropolitana, conhece muito bem a situação. Necessário apenas  alguns minutos de conversa com ele para se assustar com as histórias verídicas que ele conta do sistema prisional gaúcho.
No curso de execução criminal, o Des. Francesco Conti mostrou várias imagens de superlotação, presos recebendo comida em sacos plásticos e comendo com os mãos no Ceará, presos em contêineres no Mato Grosso.
E no Rio Grande do Sul apenas a título de exemplo o Presídio Central de Porto Alegre com capacidade de engenharia para 1986 presos, está com uma população carcerária atual de 4608.

Se alguém acha que é mordomia ficar numa cela amontoado com mais de 30 presos, na qual deveriam estar apenas 8, basta cometer um delito e ir para o PCPA para ver como é a situação.




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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Conflito de Jurisdição - Preso Provisório (Juizado Criminal X Juizado VEC)

Acerca disso, recomendada a leitura do voto do Des. Sylvio Baptista Neto, relator do Conflito de Jurisdição nº 70028664712.

CONFLITO. QUESTÃO DE INTERESSE DO PRESO. PRISÃO PROVISÓRIA. COMPETÊNCIA DO JUIZ PROCESSANTE.

Como já decidido nesta Corte, “em se tratando de preso provisório ainda não condenado, segregado cautelarmente no interesse predominante do processo, não há razão para atribuir-se a competência para dirimir qualquer incidente ao juiz das execuções, que nenhum documento dispõe sobre sua situação prisional. Nesta hipótese, somente o juiz processante tem condição, como condutor do processo, de decidir a respeito.  Não ocorre aqui incidente de execução.”1
DECISÃO: Conflito de competência improcedente.  Unânime.
(1) Conflito 70005850003, 1ª Câmara Criminal, Rel. Ranolfo Vieira.

domingo, 9 de outubro de 2011

Perda dos Dias Remidos

Eugenio Pedro Gomes de Oliveira Junior
Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul com atribuição na 1ª, 2ª e 3ª Vara Cíveis,Juizado da Infância e da Juventude.

"Convém assinalar ainda que a parte final do artigo 127 dispunha que "começando o novo período a partir da data da infração disciplinar", constando agora que "recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar". De uma análise preliminar e simplista poderíamos entender que houve somente uma mudança de termos. Tal não ocorre. Como a nova redação do artigo estabelece um limitador para a perda dos dias remidos a "nova contagem" refere-se tanto a novas remições quanto a nova perda.
Exemplificativamente podemos citar o caso do apenado que tenha 120 dias de remição, sendo que pelo cometimento de falta grave perde 40. A partir da data da falta continua trabalhando auferindo mais 60 dias de remição. Havendo cometimento de nova falta, eventual decretação de nova perda dar-se sobre os últimos 60 dias remidos, visto que os 80 dias remição que ficaram resguardados da falta anterior, não podem ser modificados, pois se referem a período anterior [08].
8. Nesse sentido: EMBARGOS INFRINGENTES. REMIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 09 DO STF. PERDA DE PARTE DOS DIAS REMIDOS. RETROATIVIDADE DA LEI 12.433, DE 29.06.2011 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 127 DA LEP. 1. A lei mais favorável aplica-se, inclusive, aos processos com trânsito em julgado, ou aos de execução penal, pois a potestade punitiva atinge, inclusive, o cumprimento total da sanção penal, constituindo-se, a aplicação da lei mais benigna, em um efeito limitador (arts. 5º, XXXIX, XL, da CF, 1º e 2º do CP). 2. A Súmula Vinculante n. 09, segundo entendimento do STF, comporta aplicação integral, contrariamente ao sustentado no voto vencido. Porém, adveio a Lei 12.433/2011, modificando a aplicação da Súmula Vinculante 09, situação a ser enfrentada pelo juízo a quo . 3. A Lei 12. 433, de 29.06. 2011 alterou o art. 127 da Lei 7.210/84 e, consequentemente, a Súmula Vinculante nº 9 do STF, a qual determinava a integral perda dos dias remidos. O juiz poderá revogar até 1/3 dos dias remidos, tomando por base o art. 57 da LEP (natureza, motivos, consequências e circunstâncias do fato, pessoa do faltoso e o tempo de prisão). O montante não revogado não poderá ser incluído em nova declaração de perda, na medida em que recomeça a contagem, para efeitos de remição, a partir da data da infração preliminar (art. 127 da LEP). Ademais, o tempo remido será computado como se de pena cumprida fosse, para todos os efeitos. EMBARGOS REJEITADOS HABEAS CORPUS DE OFÍCIO (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70039864509, Segundo Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 12/08/2011)"